Grupo
se uniu após governo Bolsonaro tentar dificultar
acesso a números da doença

Após
965 dias ininterruptos de trabalho, o consórcio
de veículos de imprensa encerra no sábado, 28/1,
sua missão de garantir a transparência sobre o
impacto do coronavírus e da vacinação. O
consórcio foi criado em junho de 2020 quando o
governo de Jair Bolsonaro (PL) tentou omitir dados
da população e atrasar os boletins sobre a
doença.
Nos
últimos meses, os dados dos governos estaduais e
federal têm se mostrado confiáveis. E apontam
para uma situação que os epidemiologistas
consideram sob controle, ainda que exija atenção
para o aumento dos níveis de vacinação e outras
medidas de prevenção.
Os
veículos de imprensa continuam atentos às
variações dos índices e mantêm o compromisso
de informar a população sobre a doença.
Jornalistas
dos veículos do consórcio trabalharam todos os
dias de forma colaborativa para coletar nas
secretarias estaduais de Saúde os números de
contaminados e mortos por Covid, além da
quantidade de vacinados. Os dados, consolidados
sempre às 20h, foram divulgados diariamente pelos
veículos participantes e alimentaram milhares de
conteúdos jornalísticos em texto e vídeo.
O
consórcio surgiu como resposta da imprensa
primeiramente diante do atraso na publicação dos
dados: ela era feita pelo Ministério da Saúde
todos os dias às 17h (na gestão do então
ministro Luiz Henrique Mandetta) ou às 19h (sob a
gestão de Nelson Teich). Em 3 de junho de 2020,
quando foi registrado recorde à época de 1.349
mortos em 24 horas, o então ministro Eduardo
Pazuello só divulgou os dados às 21h45. No dia
seguinte, com um novo recorde de 1.471 óbitos, o
boletim só foi publicado às 22h na página do
ministério na internet.
Além
do atraso, houve outras iniciativas contra a
transparência. O boletim oficial passou a dar
destaque aos casos e aos óbitos registrados no
dia, mas sem o total acumulado de mortos e
infectados. Casos registrados como de
"recuperados", mesmo sem haver à época
o conhecimento de cura da doença, também
passaram a receber mais destaque.
Bolsonaro
chegou a dizer que não apresentar o número de
mortos pela Covid era "bom para o
Brasil" e confirmou que houve a intenção de
atrasar os dados, ao afirmar que "acabou
matéria no Jornal Nacional". "Não
interessa de quem partiu [a ordem para modificar o
horário], é justo sair às 22h, é o dado
completamente consolidado. Muito pelo contrário,
não tem que correr para atender a Globo",
afirmou ele, à época.
A
posição do governo federal foi duramente
criticada por especialistas e por veículos
internacionais. A divulgação correta dos
números é importante para o planejamento de
políticas públicas e a própria segurança
sanitária da população.
O
padrão de boas práticas era a divulgação de
boletins informativos com casos em investigação,
confirmados e descartados, e dados como início
dos sintomas e fechamento de cada caso (seja por
alta hospitalar ou por óbito).
Quando
o consórcio de veículos de imprensa foi formado
e passou a divulgar os dados obtidos diretamente
com os 26 estados e o Distrito Federal, o governo
federal recuou e voltou a publicar os números da
pandemia com regularidade e em horário
compatível com o trabalho jornalístico. Ainda
assim, o consórcio seguiu trabalhando, diante do
risco de um novo apagão de dados.
Com
o acompanhamento diário da crise, foram
registrados marcos da pandemia, como quando o
número de mortos chegou a 200 mil no país, em 7
de janeiro de 2021, durante o drama causado pela
falta de oxigênio em Manaus. Pouco mais de cem
dias depois, em abril de 2021, a marca de 400 mil
mortos foi atingida. Foi possível detectar as
três grandes ondas de mortes, na metade de 2020 e
nos inícios de 2021 e de 2022. Atualmente, a
média móvel de óbitos por dia está em torno de
80. É o dobro do registrado no início de
novembro, mas nada comparável ao que aconteceu
há dois anos, quando chegou a haver mais de 3.000
mortes por dia.
Além
dos casos e óbitos, o consórcio passou a
divulgar, em 21 de janeiro de 2021, a cobertura
vacinal da população com uma ou duas doses. E, a
partir de setembro de 2021, as doses de reforço
foram incluídas. Mais recentemente, passou a ser
feito o acompanhamento da cobertura vacinal das
crianças de 3 a 11 anos, que tiveram o início da
imunização atrasado no país.
Por
promover a transparência em um período de alto
risco para a saúde pública, o consórcio recebeu
reconhecimento de entidades, como o Prêmio
Associação Nacional de Jornais (ANJ) de
liberdade de imprensa e o Mídia do Ano, da
Associação Brasileira de Comunicação
Empresarial (Aberje).
Marco
histórico para a imprensa "O consórcio foi
uma operação que envolveu mais de uma centena de
jornalistas ao longo desses dois anos e meio. Só
foi possível em razão do profissionalismo dos
veículos de imprensa. Jornalismo profissional
requer senso de urgência, capacidade de apurar
informações relevantes com precisão e agilidade
e mostrar tudo isso de um jeito objetivo e
claro", diz Renato Franzini, diretor do g1.
“A
formação do consórcio foi um marco histórico
para a imprensa brasileira, num momento em que o
poder público faltou. Juntos, compreendemos o
momento crítico e deixamos de lado a
concorrência para oferecer ao país um serviço
confiável para que pesquisadores, médicos e
autoridades definissem prioridades e pudessem
salvar vidas", afirma Alan Gripp, diretor de
Redação do jornal O Globo.
"O
consórcio cumpriu o papel da imprensa
profissional de manter o público informado num
tema vital quando o governo federal se omitiu
dessa tarefa", diz Sérgio Dávila, diretor
de Redação da Folha.
"Quando
o Estado brasileiro falhou no dever mais básico
de informação no enfrentamento de uma epidemia,
a imprensa, em uma ação inédita, uniu forças
para suprir o vazio deixado pela inépcia oficial.
Cumpriu uma nobre missão em consórcio,
contrariando emergencial e temporariamente sua
natureza competitiva, que garante a pluralidade de
visões. Esperamos que momentos como o que exigiu
a formação do consórcio nunca mais se repitam
no Brasil", diz Eurípedes Alcântara,
diretor de jornalismo do Estadão.
"Quando
o vácuo de transparência do governo federal
parecia sem volta, com a falta de divulgação de
números e a ausência total de padrão na
divulgação de mortes e casos de Covid, com um
país sem plano de combate à doença e nenhuma
vacina à disposição, contribuímos com dados
confiáveis para que o Brasil não ficasse às
cegas. É missão do Estado cumprir com a
transparência de suas políticas. Encerrar a
captação dos dados de Covid pelo consórcio é
um voto de confiança, mas com a mensagem de que
estaremos atentos para eventuais
inconsistências", afirma Alexandre Gimenez,
gerente-geral de Notícias, Economia e TAB do UOL.


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